Simulação da fila de carregamento dos caminhões e seu impacto na produção, produtividade e custos de carga e transporte

Por Conexão Mineral 04/03/2021 - 16:19 hs
Foto: Dynamine Solutions
Simulação da fila de carregamento dos caminhões e seu impacto na produção, produtividade e custos de carga e transporte
Simulação Dinâmica de Mineração a céu aberto usando o software Arena

Por Lucas Pereira da Silva e Dennis Travagini Cremonese*

Vamos falar de uma das grandes questões da mineração mundo a fora: qual fila média de carregamento ideal para minha operação?

Aos leitores desse texto, desafio vocês a responderem, mentalmente, essa pergunta: “Qual a média de fila de carregamento que traz o maior benefício à operação de lavra de uma mineração? ”

A fila ótima de carregamento é uma das questões mais técnicas que existe na operação de lavra, pois existem diversas variáveis que devem ser colocadas juntas na mesma equação, além de que na Teoria de Filas precisamos trabalhar com o conceito de probabilidade e fazer uso de várias analises matemáticas que não são triviais.

Mas, voltando a nossa questão: qual a fila ideal?

Para ajudar, ou complicar mais essa resposta, vamos relembrar alguns aspectos básicos para a lucratividade e o desenvolvimento das empresas de mineração, focando em três fatores importantíssimos:

Produção;

Produtividade;

Custo por tonelada.

Pois bem, é muito comum haver uma meta de Utilização dos caminhões de mineração, como por exemplo; 85% de UT, isso quer dizer que nos planos de lavra (Budget, Forecast, Monthly, Week Plan...) a equipe de planejamento calculou as toneladas movimentadas a partir de:

Quantidade de caminhões (frota);

Disponibilidade da frota (DF);

Produtividade dos caminhões (t/h) que depende de payload médio e Tempo de Ciclo – lembremo-nos disso, vamos falar sobre isso mais adiante;

E Utilização dos caminhões (UT), ex: 85%.

A UT, em alguns casos, pode ser uma faca de dois gumes para a empresa, vamos ao enredo:

Quando a UT deixa de ser uma necessidade para a companhia e se torna apenas uma meta numérica, alguns equívocos podem acontecer. Para explicar melhor esse problema vamos usar o comparativo abaixo:

Imagine que você trabalhou muitos anos na mineração, conseguiu fazer bons investimentos, empreendeu e por fim, comprou uma bela fazenda, 1.000 hectares, produtora de soja.

Você deixou de ser minerador (e funcionário) para ser agricultor e dono do seu negócio.

Imagine que você tenha 5 tratores na sua propriedade, e em um belo dia de plantio, 2 das 5 plantadeiras que você também possui quebraram.

Pergunta: você iria desligar os 2 tratores (excedentes) para economizar em peças, diesel, desgaste dos componentes, etc, ou iria continuar com eles em operação para “Atingir a meta de UT” das suas maquinas?

Com certeza sua meta seria contrária a isso, seria produzir o máximo de sacas de soja com o mínimo de custo/horas de máquinas, pois o seu Lucro vem da produção de soja, o uso dos tratores é necessário ao processo, mas a operação em si é custosa (diesel, mão de obra, pneus, peças, entre outros).

Quando analisamos um caso como esse a resposta é muito óbvia.

Então, aqui vai uma reflexão: por que é tão comum ver operações com 3, 4 ou mais caminhões em fila constantemente? Com tempos médios de fila acima de 4, 5 ou mais minutos, dia após dia, o ano todo?

Uma das respostas é justamente a Meta de UT mal interpretada aliada com a ideia de que alta UT (a qualquer custo) = Sucesso.

Pode acontecer das filas altas crônicas ocultarem problemas maiores, como: número de máquinas de carga insuficiente para o número de caminhões, entre outros.

Porém existe uma outra causa raiz para os problemas com filas de caminhões na mineração: não é fácil definir (matematicamente, com fatos e dados) a fila ideal para a operação de carga e transporte, pois a matemática envolvida nesse caso resulta basicamente em algo como uma “referência circular”, vamos falar um pouco sobre isso a seguir.

Vejamos alguns fenômenos observados na operação entre caminhões e máquinas de carga:

Fenômeno 1:

Para quem convive com operação de carga e transporte já observou que, na média, ao colocarmos mais caminhões em uma shovel, ela vai aumentando a sua produção e produtividade horária até o seu limite, a partir do qual não adianta mais colocarmos caminhões, pois a produção e a produtividade da shovel não vão mudar. É comum dizer que a shovel está com mais de 100% de cobertura (uma referência aos sistemas de dispatch que calculam o quanto a shovel pode suportar de caminhões naquela condição).

Esse é o ponto fundamental e que devemos fazer: A Curva de Produtividade de uma Shovel/Carregadeira X Fila de Carregamento dos Caminhões que foram alocados nessa shovel por hora.

Essa relação vai depender de vários fatores, como: carregamento double side x single side, número de passes por caminhão (fator de acoplamento), habilidade do operador de shovel e também do caminhão, “escavabilidade” do material, condições das praças, etc.

A curva fica parecida com essa curva a seguir.


Passo a passo para fazer esse curva:

1 - Coletar dados horários de produção da máquina de carga (número de caminhões carregados x payload dessas cargas), coletar também qual foi a fila média de carregamento dos caminhões nessa máquina de carga, hora a hora. Esse banco de dados devera ser de no mínimo um ano, para isso você vai precisar de um sistema de dispatch com esse banco de dados;

2 - Retirar horas onde houve DF ou UT da máquina de carga abaixo de 95% na hora;

3 - Retirar horas de troca de turno.

4 - Após as etapas anteriores, sumarizar (fazer uma média) da produtividade da máquina de carga para cada intervalo de fila, exemplo: media de todas as produtividades encontradas entre 1 a 1.5 minutos de fila de carregamento nos caminhões, depois de 1.5 até 2 minutos e por aí vai.

O resultado será uma curva parecida com essa acima.

Fenômeno 2

Voltando mais uma vez aos conceitos básicos, devemos relembrar que a frota de transporte (caminhões) é que faz a movimentação de uma mina.

Como já foi dito, as toneladas transportadas de uma mina dependem das horas operadas dos caminhões (N de caminhões x DF X UT) X Produtividade média horaria desses caminhões.

A produtividade por sua vez vai depender do Payload médio e do tempo de ciclo.

Estudando a fila de carregamento dos caminhões, notamos que:

1 – Maior fila de carregamento nos caminhões ajuda a shovel/máquina de carga a produzir mais (Fenômeno 1);

2 – Maior fila de carregamento nos caminhões implica em menor produtividade da frota de transporte, o que faz perdermos toneladas e aumentar o custo global por tonelada;

3 – E a cereja do bolo: geralmente existem equipamentos de carga de diferentes tempos de carregamento, com diferentes Curvas de Fila de Carregamento X Produtividade, o que torna essa escolha longe de ser óbvia.

Vamos a mais uma situação hipotética para entendermos o quão interessante é essa questão:

Imagine agora, que você é milionário e resolveu investir todo o seu dinheiro em uma pequena mina de ouro, se ela der lucro você vai ficar ainda mais rico, se ela der prejuízo será sua ruína total.

Você tem 15 caminhões de payload de 70 toneladas, 2 escavadeiras hidráulicas (front shovel - 3 passes por caminhão) e 2 carregadeiras hidráulicas (6 passes por caminhão).

Seus custos com as máquinas, especialmente com os caminhões, são altos e o sucesso de seu negócio depende do sucesso da operação de lavra.

Você investe em um sistema de dispatch de baixo custo, porém muito eficiente.

Já que você é o dono e o gerente da mina o programador te pergunta o seguinte:

“Chefe, estou programando a fila máxima que o sistema vai admitir para a alocação de mais caminhões, você precisa decidir o seguinte: quando as suas 2 front shovels já estiverem carregando 1 caminhão com mais 1 caminhão em fila, você quer que o terceiro também fique em fila, deixando então até 2 caminhões na fila, ou quer que esse terceiro caminhão vá para as carregadeiras, caso elas estejam livres ou com apenas 1 caminhão em fila? ”

Como esse é o negócio da sua vida, você tem alguns dados decorados:

Dado 1 = Custo horário total de cada caminhão - R$ 550 a hora operada;

Dado 2 = Custo horário total da front shovel - R$ 1.500 a hora operada;

Dado 3 = Custo horário da carregadeira - R$ 600 a hora operada;

Você também já tem as curvas de Fila de Carregamento X Produtividade das Shovels e das Carregadeiras.

Mesmo assim, surge uma grande questão para você, dono da mina:

“Se eu deixar esse terceiro caminhão nas shovels, pela curva delas sei que elas vão produzir mais, porém com esses caminhões em fila, minha frota de transporte será menos produtiva, por outro lado, se eu enviar esse terceiro caminhão para as carregadeiras, o tempo de carregamento será maior também (mais passes por caminhão). ”

Aqui chegamos ao clássico caso, que é título desse texto: Você vai ter que usar a Simulação computacional para encontrar qual será a fila ideal para a sua operação, e no final ainda vai ter que escolher entre a configuração que te dará a maior produção de toneladas OU o menor custo por tonelada, pois ao contrário do senso geral, a maior produção possível não quer dizer necessariamente o menor custo por tonelada, basta você imaginar que, sendo dono dessa mina, alguém te ofereceu uma shovel que carrega seus caminhões com 2 passes, porém seus motores usam querosene de avião, o custo de combustível seria de R$ 10.000,00 por hora operada, isso não parece ser uma boa ideia, parece?

Vamos listar alguns pontos muito importantes para o Sucesso Global dos empreendimentos mineiros os quais somos colaboradores:

Devemos sempre buscar respostas baseadas em dados e fatos, com rigor científico, mesmo que básico, para tentarmos sempre a solução benéfica para a companhia, agir com o famoso sentimento de dono, e pessoalmente fazermos essa pergunta: se essa mina fosse minha, eu faria isso?

Quem movimenta as toneladas são os caminhões (e quem os opera, logicamente), então na operação de lavra devemos dar uma importância muito grande ao tempo de ciclo da frota de transporte.

Voltando a questão da produtividade citada no início do texto, veja a mportância de uma metodologia clara e definida de medição, acompanhamento e gestão da fila de caminhões:

Imagine que na sua mina hipotética, por algum motivo, vocês nunca param os caminhões quando as máquinas de cargas quebram e nessa mina não existe nenhum controle em relação a fila de carregamento. Alguns anos depois você quer aumentar a produção e tem verba para uma das duas opções abaixo:

A)    Comprar mais 3 caminhões;

B)    Comprar mais uma front Shovel.

Você decide comprar os caminhões, porém a produção esperada não aparece.

Após uma série de estudos aprofundados, observando e entendo os tempos de ciclo detalhadamente, com rigor, muitas horas na mina e conversa com o pessoal da operação de campo, você finalmente entende o seguinte: suas maquinas de carga já estavam saturadas há muito tempo, mas como você não fazia gestão da produtividade dos caminhões (não media e controlava as filas, inclusive parando caminhões quando não havia meios de absorve-los no ciclo), você não sabia disso.

Existem ainda outros problemas que ocorrem quando existe excesso de fila crônico nas operações, como por exemplo: os operadores tendem a reduzir a velocidade bem antes das praças de carga, pois sabem que existe um excesso de caminhões aguardando para serem carregados, entre outros.

Muitas minas ganhariam muita produção investindo em mais maquinas de carga, reduzindo a fila de carregamento e aumentando a produtividade dos caminhões.

Para não delongar ainda mais esse texto, vamos listar alguns pontos que nos ajudam a definir a fila ideal para nossas operações, aquela fila média que dá a maior produção de toneladas ao final do dia, OU o menor custo por tonelada, depende do que escolhermos:

Produtividade e Produção das Shovels/Máquinas de Carga não é linear, depende do hang time da máquina de carga que por sua vez depende da taxa de chegada e da fila média dos caminhões;

Ainda sobre o tópico anterior, isso faz parte da Teoria das Filas, onde a Taxa de Serviço (quantos caminhões uma shovel consegue carregar por hora) se relaciona com a taxa de chegada dos caminhões por hora. Como a chegada de caminhões geralmente segue uma distribuição normal, para atingirmos valores da taxa de serviço da shovel próximos a 100%, a taxa de chegada e Fila dos caminhões tem que ser muito grande.

Em resumo: quer que sua shovel produza perto do limite dela? Ok, mas você vai ter que pagar com fila alta na carga.

Quer que seus caminhões atinjam produtividades próximas da produtividade máxima possível? OK, mas você vai ter que conviver com as maquinas de carga produzindo algo como 80% da sua capacidade (fila baixa = hang time alto das maquinas de carga).

Ver formula de Kigman sobre filas: https://www.allaboutlean.com/kingman-formula/

Na dúvida ou na falta de mais recursos, usar as regras gerais:

Deixar, na média, apenas um caminhão em fila de carregamento em cada máquina de carga, ou;

Ter como meta de fila o tempo de carregamento da máquina de carga que carrega mais rápido na mina.

Obs. Na verdade deixar 1 caminhão em fila ou ter como meta de fila o tempo de carregamento da máquina de carga é, matematicamente, a mesma coisa (caso você tenha máquinas de carga com o mesmo tempo de carregamento).

Por fim e mais importante: quer saber qual deveria ser sua fila média de carregamento para atingir a maior produção ou então o menor custo por tonelada? Ok, para isso você vai ter que usar simulação computacional e um modelo robusto, mas vale muito o trabalho.

A simulação dinâmica permite que os pontos ideais de trabalhos sejam alcançados.

O vídeo a seguir mostra uma simulação dinâmica de uma mineração a céu aberto, este é um exemplo de modelagem baseado em dados de minerações existentes.

https://www.youtube.com/watch?v=YnI5yH-Xdss&feature=emb_logo

Neste exemplo consideramos 4 pontos de carregamento (2 de minério e 2 de estéril), possuindo 2 Shovels e 2 Carregadeiras.


Este não é um sistema trivial e a simulação dinâmica é ferramenta perfeita para encontrar a Produtividade dos equipamentos e o custo por tonelada movimentada.

O gráfico a seguir mostra a Produtividade dos Caminhões e Custo de tonelada movimentada pela fila média nas Shovels.


O gráfico a seguir mostra a Produtividade das Shovels e Custo de movimentação em correlação com o tempo médio de fila na Shovel.


O gráfico a seguir mostra estas correlações em 3 cenários. Aumentando o tempo de fila de 84 s para 134 s faz com que a Produtividade aumente 7%, enquanto o custo apenas 2%.

No entanto, continuar aumentando o tempo de fila para 214 s, aumentará os Custos em 2% e só aumentará a Produtividade em 2% também. Passando deste ponto, aumentar o tempo de fila não agregará nenhum valor significativo a Produtividade da Shovel e apenas aumentará o custo de movimentação.


Analisando o gráfico anterior, onde queremos trabalhar? No ponto de menor Custo por tonelada movimentada ou no ponto de maior Produtividade?

Isso dependerá de cada mineração, o importante é ter estes valores em mãos, para poder tomar uma decisão correta.

Para concluir: da próxima vez que ver a sua operação de carga e transporte se pergunte, essa fila é a ideal?

(*) Lucas Pereira da Silva, Engenheiro de Minas Especialista em Otimização de Mina; e Dennis Travagini Cremonese, sócio fundador da Dynamine Solutions, especialista em Simulação de Processos de Mineração.