Lições de Brumadinho: descaracterização de barragens usa a TI para reduzir os riscos deste processo crítico
Por Luis Arís*
Em 8 de agosto de 2019, a Agência Nacional de Mineração (ANM) promulgou uma resolução para a Lei nº 13.575 que estabelece que as barragens de mineradoras sejam descaracterizadas até 2027. A descaracterização consiste na drenagem da barragem e plantio de vegetação no local em que, antes, abrigava-se o rejeito produzido pelas mineradoras. Esse delicado processo é feito sem a retirada do rejeito, que se torna parte da paisagem. Trata-se de uma meta crítica para o setor minerador brasileiro, responsável por 3% do PIB brasileiro em 2022.
Segundo o Boletim de Barragens de Mineração sobre o primeiro trimestre de 2023 – documento produzido pela ANM –, hoje o Brasil conta com 59 barragens a montante. 39 estão localizadas em Minas Gerais, o estado que sofreu as tragédias de Brumadinho (janeiro de 2019) e Mariana (novembro de 2015).
A barragem a montante é a mais frágil. Trata-se de uma estrutura barata, que se inicia como um aterro e, posteriormente, ganha diques ou muros para suportar uma grande carga de água, rejeitos e detritos.
A descaracterização das barragens já está acontecendo no Brasil. A Vale, que possui um cronograma de trabalhos para descaracterizar 48 barragens, tem como meta a adequação de 38 estruturas até agosto de 2023. As outras 10 barragens devem ser desativadas até 2025. Desde 2019, já foram investidos quase R$ 5 bilhões no Programa de Descaracterização da Vale.
Alinhamento ao padrão GISTM
Trata-se de um processo extremamente delicado, que exige o uso de tecnologias de monitoramento para ser realizado com segurança. Essa empreitada é regulada por um protocolo criado em 2020 a partir de uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) e dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI). O marco para a segurança das barragens – incluindo as que não serão descaracterizadas – é o Global Industry Standard Tailings Management. O GISTM é o padrão que estabelece as melhores práticas - 15 princípios e 77 requisitos - para a gestão de todo o ciclo de vida dos depósitos de rejeitos, incluindo o projeto, a operação e o fechamento da barragem.
A conformidade aos princípios do GISTM é suportada por dados gerados por plataformas de monitoramento que medem, de forma proativa e preditiva, fatores críticos. Isso inclui controlar a tensão do concreto dos muros, o nível de água na barragem, a temperatura dos rejeitos na barragem, se houve movimentações nos rejeitos, se a barragem produziu ruídos etc. O anseio por segurança é tal que o GISTM determina que os processos de monitoração devam continuar a ser executados por mais dois anos após o fechamento da barragem. Isso colabora para reduzir os riscos inerentes ao processo de descaracterização das barragens das mineradoras.
Do deformímetro de concreto ao olhar de 360° sobre a mineradora
O controle do comportamento da barragem em processo de descaracterização é feito com ajuda de sensores muito específicos. É o caso do deformímetro de concreto, uma tecnologia usada para medir a deformação do concreto – a meta é conhecer a tensão atuante na estrutura da barragem.
É comum que sensores e medidores como estes sejam baseados tecnologias industriais, aderentes a padrões como OPC UA, Modbus e MQTT. Para monitorar esses dispositivos é estratégico utilizar soluções multiprotocolo. Vale destacar, ainda, que é possível conectar dispositivos IoT ou IIoT (protocolo IP) a esses sensores industriais. De uma forma ou de outra, porém, é essencial ganhar visibilidade 24x7 sobre tudo o que se passa na barragem em processo de descaracterização.
Hoje já existem no Brasil mineradoras que utilizam em campo redes 4G distribuídas e heterogêneas (WiFi, WiMAX, GSM, LTE) que conectam sensores. Em geral, os dados coletados dos ambientes sensorizados são consolidados primeiramente num centro de monitoração de barragens e, numa segunda fase, no data center principal da mineradora. Por ser uma aplicação industrial, é possível que essa rede seja mista, baseada tanto em cabos de cobre como, nos ambientes menos hostis, em conexões wireless.
A profunda transformação pela qual as mineradoras brasileiras estão passando exige que o gestor ganhe visibilidade tanto sobre os ambientes OT – caso das barragens – como sobre os sistemas de TI. Esse olhar de 360º é suportado por soluções de monitoramento que permitem uma visão holística de toda a organização e, quando for necessário, uma análise detalhada dos dados sobre o nível da água de uma barragem específica, ou sobre a performance do ERP que suporta os negócios da organização.
Agenda ESG
Essa abordagem contribui para que o setor avance na agenda ESG (Environment, Social and Governance). Ainda há muito a ser feito. Relatório divulgado pela Delloite em 2022 indica que a indústria mineradora brasileira está atrás de países como Canadá e Austrália em relação a questões de sustentabilidade e inclusão social.
As lições aprendidas com Brumadinho e Mariana estão mudando o mercado mundial de mineração. Nesta jornada, tecnologias preditivas de monitoração ajudam as mineradoras a, com segurança e controle, eliminar as barragens a montante do mapa.
(*) Luis Arís é Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Paessler Latam
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